por Rose Mara da Silva
Neste ano nosso
projeto tem como ação oficinas de aprimoramento técnico para os
artistas envolvidos, até este momento fizemos as oficinas de: Dança
dos Orixás, com Yáskara Manzini; e Teatro de Rua, com Cléber
Borges.
Esse processo tem
me colocado ante a milhões de inquietações sobre os caminhos que
estamos trilhando, onde queremos chegar, o que nos interessa dos
temas pesquisados pelo coletivo, etc, etc, etc... Essas milhões de
dúvidas que surgiram nos motivaram a dar continuidade ao processo de
pesquisa e compartilhamento de conhecimento que iniciamos no ano
anterior, em cada momento uma pessoa do coletivo vai postando suas
percepções, descobertas, etc, e assim, construímos um banco de
dados sobre os assuntos que temos pesquisado. Segue aqui um relato
sobre um livro que tem ampliado de forma muito significativa as
minhas impressões sobre a questão do “tradicional”, o uso da
“rua” na manifestação artística e cultural, e a “
resistência” presente nas manifestações da cultura popular
brasileira.
Referências
As referências que
compartilho hoje chegaram até mim por conta da leitura do livro Música do Brasil, de Hermano Vianna, da Editora Abril
Entretenimento. Nesse livro Hermano nos coloca ante as
características de transformação e mobilidade presentes na
tradição, o aspecto “antropofágico” - no mesmo sentido que
Oswald de Andrade enunciava – das brincadeiras, nas quais tudo o
que aparece inusitadamente é imediatamente incorporado e
resignificado dentro daquele contexto. Vianna também escancara a
periferia, o interior, os lugarejos longínquos e invisíveis para os
homens de poder como celeiros da inventividade humana, lugares onde
as expressões artística são questões de sobrevivência, de onde o
sujeito forja sua personalidade e por vezes sua identidade. É um
livro muitíssimo interessante, de onde tiramos algumas referências
que vou dividir com vocês nessa e nas próximas postagens.
Resistência
“Não há olhar
neutro sobre nenhuma realidade. […] Por trás das brincadeiras está
também a alegria de brincar.
[…] Peço
desculpas aos tristes e aos que acham que só a melancolia é bela,
chique ou politicamente correta. Peço desculpas não. Estou me
lixando para seus ensinamentos, ou suas enfadonhas lamentações.
Prefiro a companhia de Oswald de Andrade: a alegria é a prova dos
nove. Prefiro a proximidade dos brincantes brasileiros, aqueles
incontáveis que me disseram nunca ter sentido tristeza na vida. No
início eu não acreditava nessas declarações: achava que estavam me
escondendo seus verdadeiros sentimentos, ou que não tinham coragem
de revelar seus verdadeiros sofrimentos. Depois achei que estava em
jogo diferentes concepções de alegria.
Felizmente deixei
de lado essas suspeitas. Percebi que aquelas pessoas sabiam
exatamente o que estavam falando. Elas conheciam mais do que ninguém,
o que era tristeza. Por isso tinham dedicado sua vida para
combatê-la. Sua alegria também não era alienação, não
obscurecia a visão da miséria do cotidiano (posso ter me esquecido
de dizer: a maioria das pessoas aqui retratadas são classificadas
como miseráveis em estatísticas “oficiais” de várias
procedências). Pelo contrário: sua alegria existe apesar da
miséria; sua alegria resiste à miséria (que fique bem claro: a
miséria nunca pode ser condição da alegria), para não deixar que
aquilo que é miserável tome conta de todo o seu mundo, de sua vida.
A brincadeira é um caminho para a iluminação: o longo aprendizado
da arte do bem viver.”
É através destas
e algumas outras palavras que Hermano termina seu escrito, resumindo para nós a
questão da resistência presente em todo o livro, e nós fazendo refletir profundamente sobre a importância dos brincantes
brasileiros, e da preocupação destes em manter vivas suas
brincadeiras.
Abaixo seguem vídeos
informativos sobre algumas das brincadeiras documentadas no livro*:
Dança do Caroço - Tutóia Velha/ Maranhão:
Dança do Parafuso - Lagarto/ Sergipe:
Carimbó - Pará:
* Dividi esse post em partes, nas próximas postagens teremos outros vídeos e questões presentes nas brincadeiras.